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domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Novo sexo frágil

Nas minhas pesquisas acabei encontrando esta matéria, gostei muito e resolvi partilhar com meus amigos e amigas.
Homem de respeito: nem príncipe sensível nem ogro machão
Nem machão nem sensível demais: homem do século 21 deve transcender convenções e buscar liberdade interior


Entrevista
São José do Rio Preto, 26 de janeiro de 2009


Ariana Pereira
11:53 - O conhecimento é libertador. Com o passar das épocas, a informação tornou-se cada vez mais acessível e provocou verdadeiras revoluções em todo o mundo. Foi o conhecimento que possibilitou a cura das mais variadas doenças, libertou povos inteiros da submissão e transformou homens e mulheres em novos seres humanos. Nesse cenário, tanto eles quanto elas tiveram de adaptar-se a novas maneiras de ser no mundo. O público masculino, dominante na maior parte da história, teve de abrir mão da integralidade do controle e aprender a dividir a realeza em uma sociedade que, aos poucos, não admite mais a intolerância ou o sectarismo.Frente a essa realidade, os homens têm buscado a adaptação. Muitos ainda se veem perdidos e convidar uma mulher para sair ou decidir quem paga a conta vira uma tortura - ou o momento da mais profunda indecisão. Filósofo, pedagogo e mantenedor de sites direcionados ao público masculino, Gustavo Gitti cresceu em uma época de profundas transformações e tenta, por meio de textos e reflexões, chegar a esse perfil do homem inserido no contexto histórico da sociedade moderna. Em entrevista à Revista Bem-Estar, Gitti fala sobre os machões, os sensíveis e aqueles que sabem conduzir uma mulher e ser livres frente às realidades atuais.
Revista Bem-Estar .- Você escreve para homens. Qual seria o perfil do homem deste século?Gustavo Gitti - O homem do século 21, assim como acontece com as mulheres, está, talvez pela primeira vez na história humana, sem referenciais. Está sem um fundamento absoluto que o define e dá sentido à vida, algo que antes era feito pela religião, pelo Estado ou pela simples dinâmica externa da sociedade - por um grande Outro, enfim. Na filosofia, os existencialistas foram os primeiros a perceber isso: o homem não tem essência alguma e a vida não tem sentido algum pré-definido, é preciso se fazer humano e é preciso dar sentido a tudo. Com a falta de referenciais absolutos, surge uma liberdade que nunca havíamos vivenciado. No lugar de um grande Outro, aparecem vários pequenos outros que nos subjetivam, vários grupos, filosofias, modos de ser. Não só agora é cada vez mais normal ter um estilo de vida radicalmente excêntrico (ser bissexual, manter um relacionamento aberto, mudar de sexo etc.), como é possível, ao homem mais comum, redefinir sua identidade masculina e sua relação com o feminino. Nesse contexto, eu diria que o homem do século 21 ainda está perdido, não no sentido de estar tentando se encontrar ou descobrir sua verdadeira essência, mas, ao contrário, por estar se livrando dela e começando a se construir de modo autônomo. É um homem confuso, errante, mas criativo, imprevisível e surpreendente. Um homem que às vezes incorpora demais o feminino, flerta com ações típicas de mulher ou vira homossexual, e às vezes exagera no masculino, estupra, controla, violenta.
Bem-Estar - Em um dos seus artigos você contrapõe o perfil do machão e do homem sensível. Quem é cada um deles?
Gitti - O machão é o homem pré-feminismo, o sensível é o homem pós-feminismo. De algum modo, ambos são antigos, pois se relacionam com algo que já não existe mais. As mulheres de hoje superaram até mesmo o movimento feminista. Elas são mulheres, não precisam ser feministas para validar sua presença feminina - ela já está validada. O machão se relaciona com o feminino por controle e repressão. Ele não se solta durante uma música, assim como não gosta de ver sua mulher se soltando para além de sua cama. Ele reprime seu brilho e valoriza pouco as movimentações femininas. O sensível se relaciona com o feminino por envolvimento e entrega. Ele se solta demais durante uma música, chega às vezes a ser confundindo com um homossexual, adora os movimentos femininos e peca por não conduzir sua parceira. O sensível às vezes fala mais do que sua parceira, é mais confuso, mais emocional, indeciso e até mesmo mais feminino em alguns casos.
Bem-Estar - As mulheres buscam o homem sensível ou o machão?
Gitti - Elas não buscam nenhum dos dois. Elas se confundem ora pensando que desejam um homem sensível, ora pensando desejar um machão, mas elas sempre quiseram um homem presente, profundo e livre. Elas desejam uma energia masculina que libera sua energia feminina. Cada uma delas deseja um homem que a faça mulher.
Bem-Estar - Como é o meio-termo entre esses dois perfis?
Gitti - Tal homem não é um meio-termo entre os dois perfis. Ele transcende ambos, ele não os mistura, ele vai além. Um homem livre integra o envolvimento e a compreensão do homem sensível com a condução e a firmeza do machão. Um dos grandes erros que os homens cometem é não conduzir uma relação. Em vez de levá-la para jantar, ele pergunta se ela quer jantar, qual restaurante quer, oferece mil opções, tenta uma certa democracia medrosa em vez de oferecer um presente: “Ei, fique linda hoje à noite. Nós vamos em um lugar maravilhoso”. Toda mulher adora simplesmente ser mulher, ser rendida, ficar entregue e ser conduzida. Não ter de se preocupar com nada além de brilhar, dançar, sorrir e se abrir. Principalmente as mais independentes: elas querem chegar em casa e não ter de tomar decisão alguma!
Bem-Estar - Uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostra que as mulheres procuram os homens mais cafajestes ou masculinizados para relacionamentos rápidos, mas investem nos que têm traços que demonstram menos níveis de testosterona para relacionamentos duradouros. O que você acha disso?
Gitti - Eu desconfio de pesquisas pois elas se baseiam no que as pessoas falam. E nós mentimos, ou melhor, nós não sabemos o que realmente desejamos. Penso que a biologia fala mais do que a cultura, nesse sentido. Como qualquer animal, buscamos parceiros com os quais teremos mais chances de procriar filhotes de qualidade, fortes, saudáveis e com grande poder de seguir com nossa espécie, ou seja, se reproduzir. Todos os homens da atualidade são filhos de um bando de homens cafajestes e sedentos por sexo, pela simples razão de que os nossos ancestrais que não eram sacanas e não buscavam tanto o sexo morreram sem deixar herdeiros dessa cultura. O que mais se reproduziu foram os genes do homem cafajeste. Ou seja, toda mulher quer um homem malicioso, firme e capaz de condução (características do machão). Mas nenhuma quer firmeza sem carinho, malícia sem profundidade ou condução sem visão e sensibilidade. Pois sem isso, o machão é aquele que estupra, não um homem capaz de amar.
Bem-Estar - A espiritualidade tem que papel na vida do homem atual?
Gitti- Fundamental. Para ser capaz de desenvolver presença, brilho nos olhos, energia estável, coragem, generosidade (mulheres adoram homens generosos), concentração, sabedoria, liberdade e profundidade, não basta filosofar. É preciso meditar, sentar contra a parede por horas, fazer uma vision quest na montanha como um xamã, praticar ioga, tai chi, artes marciais. O novo homem é, de algum modo, espiritual, ainda que não seja ligado a crenças ou religiões. Ele está preocupado em ser um homem livre. Sobre isso, escrevi mais no http://papodehomem.com.br/ da seguinte maneira: “qualquer prática espiritual só faz sentido se aumenta nossa liberdade diante das configurações do mundo, das imposições dos outros e, principalmente, diante de nossos condicionamentos e energias de hábito. O guerreiro treina aumentar a espacialidade para que, em qualquer situação, sempre haja saídas e caminhos alternativos. Para ele e para os outros. De fato, o sofrimento surge da contração, do fechamento. Um homem se suicida quando seu espaço de ação é totalmente reduzido e não lhe sobra alternativa além de um tiro na boca. Ele não vê saídas. Sabendo disso, o guerreiro está constantemente ampliando o espaço de possibilidades em seu mundo e nas vidas de todos ao seu redor. Ele vê saídas para os problemas dos outros e assim consegue ajudá-los. Sua presença aberta está sempre apontando a liberdade em tudo, para todos.”
Bem-Estar - Qual é a relação ideal do homem com a família?
Gitti - Não é diferente da relação que ele mantém com a sociedade. Ele não vê o amor como um sentimento, ele sabe que o amor é uma prática: vê qualidades positivas nos outros e age para que elas floresçam. Ele é generoso: começa todas as relações e entra em todos os lugares oferecendo suas habilidades. Ele faz isso com seus filhos, mas com os filhos dos outros também. Ele sabe que, antes de ser filho de seu pai, ele é filho do mundo, da vida. Ele não tem inimigos. Aqueles que manifestam negatividade são vistos como os que mais precisam de ajuda, não de aversão. Ele se move no mundo com a motivação de trazer benefícios a todos os seres nas dez direções.
Bem-Estar - Antigamente, o homem era o provedor do lar e a mulher cuidava da casa e dos filhos. Atualmente, as mulheres também trabalham e muitas ganham mais do que os maridos ou companheiros. Qual o papel do homem na criação e educação dos filhos, hoje em dia?
Gitti - É igual em valor e deveria ser igual em tempo. Um filho que não se relaciona com o pai está perdendo algo mais importante que a personalidade paterna: está perdendo contato com o masculino, com o que é ser homem. O mesmo acontece na ausência da mãe. Lembre-se: ser homem e ser mulher são processos construídos, tais identidades não nascem prontas, não são pré-definidas, mas construídas. Sendo assim, nossos pais são os primeiros professores (apenas por estar perto, não por ensinar sobre) do masculino. E nossas mães as primeiras visões que temos de uma mulher.
Bem-Estar - Os homens, cada vez mais, desenvolvem a preocupação com a estética e a aparência. Que espaço esses fatores ocupam na vida do homem moderno?
Gitti - É cada vez maior a preocupação do homem moderno com aparência. Alguns chamam esses novos homens de metrossexuais. Eu penso que é uma fase de transição e que isso deve diminuir com o tempo, com exceção daqueles que de fato incorporaram o feminino, são homossexuais, travestis etc. O masculino, em geral, está mais preocupado em olhar do que em aparecer. Ele não quer ser radiante, ele quer ver brilho e curvas na sua frente. No salão, o homem metrossexual afeminado quer dançar sozinho, se exibir, se soltar. O homem masculino quer conduzir uma mulher para que ela brilhe, se exiba e se solte. Eis a diferença.
Bem-Estar - O homem novo é mais culto?
Gitti - É. Sua motivação é oferecer profundidade e experiências ricas para todas as pessoas. E então, naturalmente, torna-se culto.
Bem-Estar - Com a revolução feminina a partir da década de 60 foi crescendo a exigência das mulheres em relação aos homens. Existe uma pressão sobre o público masculino por parte das mulheres? Como lidar com isso?
Gitti - Existe a pressão, mas ela não precisa ser fonte de preocupação para os homens, basta que eles tenham claro que as mulheres reclamam, surtam, gritam, mas que elas querem ser amadas. Se eles prestarem atenção no que elas dizem e tentarem argumentar, terão problemas. Se focarem no que elas sentem e em como se comportam, eles pegarão em suas mãos e tudo ficará bem.
Bem-Estar - Você fala bastante a respeito de relacionamentos em um dos sites que mantém. Como é o relacionamento entre a mulher e esse novo homem?
Gitti - Isso ainda está sendo construído. Pelos relatos que recebo e pelo que vivo e vejo ao meu redor, o relacionamento é mais criativo, sem se prender a padrões. Muitas vezes ele é passional, intenso e transformador pois faz a mulher se perceber mulher como nunca antes. Ouço frases assim: “Eu sempre fui independente e controlada, mas esse homem me pegou de jeito, ele me rendeu e eu nunca me senti tão mulher antes. Ele me deixa bonita porque ele me abre, me solta, deixa que eu dance perto dele. Ele não faz nada demais, mas são seus olhos, sua presença.” Para os homens, o mesmo acontece: “Eu nunca me senti tão alinhado, vivo, vendo sentido em tudo. Ela se solta e eu consigo saber para onde ir. Ela é linda e ativa meu corpo. Eu acordei, enfim”. Se o homem superou a sensibilidade exagerada, a relação tem um sexo melhor: mais livre, firme, com força, potência. Se também superou o fechamento do machão, o sexo é mais espiritual, transcendente, profundo e transformador. Ou seja, o novo homem bate na cara dela, a desrespeita, mas sem agressão alguma. Por amor, ele a abre, de todos os jeitos possíveis, por dentro e por fora.
Bem-Estar - Em relação a ser homem, o que, da época do seu avô, deve ser esquecido para sempre e o que precisa ser conservado?
Gitti - Não sei se isso é regra, mas sei que antigamente muitos homens tratavam suas esposas com extremo respeito dentro de casa, porém a traíam rua afora. É isso que deve ser abandonado. Temos de fazer o contrário. Dentro de casa, é preciso “desrespeitar”. Nossa mulher quer se divertir dentro de casa. E fora de casa trair não é o melhor que podemos oferecer à nossa mulher, não é a ação mais sábia. Se for para manter outras relações, que ela possa fazer o mesmo. Aí sim! O que deve ser mantido: uma certa dureza e uma postura de dono da mulher, algo sutil, que, se liberado de apego e controle, se livre de machismo, faz muito bem e dá segurança a ela. Isso é uma coisa que muitos homens perderam. Além disso, vejo que alguns avôs têm aquela posição de sabedoria dentro da família, é ouvido, dá conselhos, tem autoridade. Qualquer homem pode se tornar uma referência virtuosa assim.
Bem-Estar - O que acontece com o homem que não consegue se adaptar à essa nova realidade masculina?
Gitti - Ele sofre. Mas é preciso entender que não há uma nova “realidade masculina”. Isso não existe. Tudo é construído pelos próprios homens e pelas mulheres também. Ou seja, somos autônomos em todos os momentos. Se sofremos, é porque não conseguimos sentir essa autonomia, não conseguimos ser autores de nossas próprias vidas, somos incapazes de direcionar nossas relações de modo positivo, leve e lúdico.


Gustavo Gitti tem 26 anos e é formado em pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP). Mantém um blog (http://nao2nao1.com.br/) que descreve como “uma tentativa de abordar os relacionamentos amorosos de uma perspectiva espiritual”. Além disso, escreve sobre filosofia em http://drala.com.br/, música e polirritmia em http://takadime.com/. Tem também textos publicados no site Papo de Homem (http://papodehomem.com.br/) e na revista Bodisatva, em que aborda temas relacionados ao desenvolvimento humano e ao budismo.

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